terça-feira, 22 de outubro de 2013

Oquestrada - o prato do dia

A Camisola


Há círculos de cor no teto do quarto
Movimentam-se com o olhar
Dançam enquanto conto os beijos que guardo nos bolsos
Como quem conta rebuçados
Sem ninguém ver
Os círculos estão presos no teto como eu no chão
E queria que todos os pudessem ver
Mas se fecho os braços
Desaparecem
E com a fome de não de não os perder
Vai-se a inocência de que as cores existiam para mim
E com a inocência
Vão-se os beijos
E fico com os bolsos vazios
E estou sempre com os bolsos vazios
E quero tanto que rasguem para os encher!
Pintei o teto com as missangas desta camisola
Que serve o meu corpo como o gelado mais doce do Verão
E as missangas foram coladas em casa
E a inocência está estampada nelas
E a maldade está no recheio que me cobre os dentes
(comi os rebuçados e continuo com fome)
E a camisola és tu
E o recheio é deles
Sabe mal


Porto



As sombras
Os túneis
O rio
O liso do rasto dos barcos
Os passos silenciosos
E eu
Cá em cima
Com o vento a serpentear-me o corpo
Devolvendo-me a paz do esconderijo da minha mãe
E o senhor do boné gasto
De alicate em riste
A cortar rubis com o metal
Porque tudo lhe pertence.
Desta ponte
Onde só o vento chega
A cidade é uma orquestra que sinto com a ponta dos dedos
E se pudesse
Saltava para um mergulho
Mas hoje
Prendi um tesouro na ponte
Com caneta permanente
Como a do avô
E preciso de voltar
Para casa!


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O Muro

Comecei a caminhar devagar
A contar as árvores que me seguiam ao lado da estrada.
Não queria correr
Queria saborear o branco que me marcava os passos
Em traços largos
Que dividiam o ir e o voltar
E eu ia
(Deixei a casa vazia
E corri)
Percorri milhas de curvas
E ao cortar a última mancha de chão
Li no muro que me impedia a passagem:
Ama como um passo de corrida!
(07/10/2013)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A Camisa


«As rosas que colhi na estrada apagaram-se no meu quarto porque a música que as mantinha presas à vida, sem água nem terra, parou. E pedem-me com sono a loucura para que as desperte, mas estou muito acordada, há tempo de mais dentro de mim, horas a mais porque o dia se prolongou e não acaba.
Ando a dar horas extra para que me paguem ordenados mais pequenos mas eles insistem em encher-me os bolsos que estão rotos e perdem tudo e mesmo com o tempo todo ainda não cresci e quando crescer não quero ter uma empresa, quero trabalhar sozinha num jardim a transformar com pincéis as rosas em azul para fazerem de céu e terem sempre água em vapor no meu quarto e não se apagarem.
E a loucura, faz-me triste e alegre em dias alternados e hoje os dias alternados estão misturados e tenho um dia par e um dia ímpar a fazer de camisa-de-forças para não me mexer muito e esperar que o sono chegue como quem espera por um beijo quente.
E, enquanto as rosas não crescem, vou freneticamente, lunaticamente, colhe-las para o meu quarto, sem jarra e despir a camisa e pintar o peito com o azul que não consigo pintar nas rosas (teimam no cor de rosa) e fazer buraquinhos minúsculos nos dedos com as folhas como quem lê em braille, cega porque não há água no meu quarto, cega porque não há terra no meu quarto, cega porque já tenho sono, tenho muito sono e os olhos não fecham, não fecham e as rosas apagaram-se porque a música parou quando fiquei com os bolsos vazios.
E a camisa não sai por isso vou continuar à espera do beijo. O azul é impossível de pintar nas rosas. Mas vou inventar um azul para as minhas. Tenho o tempo todo e todo é pouco para criar azul, todo é pouco para esperar. E a camisa és tu. Mergulhei na loucura e descobri que foi lá que te encontrei: prende-me, para não me mexer muito e dá-me um beijo… azul».

21/05/2013


                               

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A TV

«Os Super-Heróis não existem!
Pensei que podia ser um,
Que podia tocar-te e levar-te todos os males,
Moldar-te o corpo com as mãos
E fazer-te perfeita como és
Para mim.
Mas o medo congelou-me o rosto para não ver
E no entanto vejo-te, por trás do vidro
E queria esticar o braço
Que pesa demais,
Mas se me solto desta teia
Tu partes,
Como o rubi a fingir que herdamos da avó
(E ficamos de castigo por um dia inteiro)
E um dia inteiro é todos
E o castigo é cegueira
E o rubi és tu
E não podes morrer!
Vou aprender magia,
Porque procuro um feitiço que te traga de volta
Com a francha e o sorriso, que se dissolveu com o frio.
E quero segurar-te no colo
Para adormecer com o aroma do teu respirar
E garantir que continuas.
Por isso,
Desligo a TV
E pego num martelo
E parto o vidro do visor
E corto os pés com os estilhaços que ficaram,
Porque
Os super-heróis
Não existem.
E se não posso tocar-te
Para te salvar,
Então,
Quero sentar-me no sofá
Contigo num abraço
E ver-te
Adormecer»

(9-01-2013)