terça-feira, 30 de outubro de 2012

Deserto

«O meu reflexo e as sombras cinzentas.
Não falo:
Perdi a voz com a forma das pegadas que a areia levou,
Para onde as sombras tem cor e a chuva cai.
Ontem,
O vento foi mais forte
E levou a luz dos olhos da mágoa.
Estou no deserto
E não tenho sede
Tenho a alegria de estar só e perdida
E de não ter de contar os grãos de areia que passam
Porque parti o vidro da ampulheta
Para o usar como pá
E fazer um túnel no chão
Até ao cato mais doce do oásis mais longe
E ir lá quando me esquecer
Para me lembrar que o sol na água
É um arco-íris
E que o som da areia a passar
É um opiáceo viciante
E Rastejo entre o sal
E os espinhos acariciam-me a pele.
Se pudesse gritar
Gritava uma última gargalhada
Vibrante
Para ouvir o eco da minha voz espalhar-se no fogo do ar
E se pudesse chorar
Chorava tudo
Por todos
Sem tristeza
A chorar pela paz que o choro interromperia
E se pudesse sentir
Sentiria saudade do tempo que perdi a ser eu
E a contar grãos de areia como ouro
E a usar os melhores sapatos
Mesmo quando me faziam bolhas nos pés
Porque eram elegantes
Para depois me despir
Sem vergonha
E vaguear descalça da dor.
Perdi-me
Perdi os sons, a sombra e as cores
Mas
Estou no deserto
E não tenho sede»

(10/10/2012)