sexta-feira, 23 de novembro de 2012

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«Agora estou perto, mesmo perto, só preciso escolher entre o amargo que é doce e o doce que é amargo e depois, fico resolvida como um problema matemático.
E a árvore foi cortada porque estava errada, tinha uma folha que não queria cair e todos sabem que no outono as folhas caem mesmo as que estão amarelas de tão verdes, e se não cair, a árvore está estragada porque se esqueceu que era outono.
E é isto, só temos de andar sem olhar para o lado, que eles ditam-nos o caminho como nos ditados que fazíamos na primeira classe quando havia destino por sermos pequenos. Eles ditam-nos o caminho porque andam cá à mais anos e já têm muita experiência (mesmo que tenham vivido num sótão com mofo) e a eles foram os avós sem dentes nem ouvidos a ditar, para não terem de pensar muito. É só preciso escolher muito bem se queremos o doce dos outros ou o doce que a mãe nos tira da mão porque faz mal aos dentes e ficamos a chorar tudo por perdermos o recheio mais crocante de sempre. E cortam-nos a inocência como o cirurgião que abre a carne enquanto fala de futebol. E o amor é um dom inevitável e selvagem, sem forma nem cor, mas só para alguns, porque para a maioria é uma história contada à noite ou um filme, porque de dia e quando a TV está desligada, tem critérios de escolha.
E qualquer que seja a escolha que eu faça, vou ficar sempre sozinha, porque eles vão estar ou a pensar por mim ou a pensar para mim, imagens que eu sei não me pertencerem ou encaixarem no meu corpo.
Por isso, fico a reflectir, sem mexer um músculo que seja, até que chegue o verão, mas os senhores da meteorologia dizem que o verão terminou porque as estações estão extintas e não me movo, vou esperar que os sabores se extingam também, mas para eles, que eu quero saborear os doces como o amor, gulosamente imitando os dias de festa, sem a voz dura e calma da mãe, sentada no mofo do sótão, enlaçada com a folha que se recusou a cair. Fico a reflectir e a olhar-me no espelho, na esperança de ficar pequenina e voltar a fazer ditados com erros. E já estou perto, muito perto e quando lá chegar vou olhar para o lado para que ao verem-me os olhos, percebam que o mundo também me pertence e me deixem ser eu, simplesmente eu, extinta».